O jovem vira lentamente, tremendo sob a chuva. Seus olhos encaram a silhueta imóvel de um homem de armadura amarronzada e elmo de coruja. O garoto sabia: aquela noite não seria simples.
— Pelo amor de Deus, moço, não faz nada comigo! Eu só tava vendo os pneus! — grita, soltando sem querer o gancho que usaria para roubar.
Osíris observa. A capa escorrendo água, os olhos escondidos, mas atentos. Ele se agacha. Pega o gancho e o entrega de volta ao garoto.
— Eu não vou te machucar, garoto… só quero que tente sair dessa vida. Da próxima vez, talvez não seja eu que esteja aqui pra te impedir de fazer merda — diz, com um sorriso amargo, voltando a caminhar rumo aos subúrbios.
A chuva engrossa. Osíris percebe uma movimentação incomum num prédio de classe alta. Viaturas, ambulâncias, câmeras. Ele acelera, se infiltra na multidão. Civis tentam impedi-lo, mas ele passa. Lá dentro, o clima é estéril. Morto.
— Boa noite, O’Hara. O que temos aqui? — pergunta, surgindo atrás do oficial de justiça.
— Boa noite, Coruja… alguém aproveitou a troca de turnos da segurança e entrou na casa. O prefeito… foi assassinado.
O’Hara aponta para o quarto. Está pálido. Quase vomita.
— Preciso examinar a cena. A sós.
Dentro do quarto, Osíris acende a lanterna. Sem sinais de luta. Sem sangue espalhado. Mas o corpo… está partido ao meio. Como uma moeda lançada ao ar. Um lado virado. O outro, de costas. Preciso. Cirúrgico.
No canto, um jornal com a data “13/09” grifada. O início das campanhas para prefeito de Epcia.
— Isso tá ficando interessante… — murmura, pegando o jornal e guardando numa sacola.
Do lado de fora, entrega ao oficial.
— Temos uma pista. O assassino marcou o dia da abertura das campanhas. Talvez semana que vem apareça alguém disputando a vaga de prefeito… ou de assassino. Afinal, matar o verme do Chris… talvez mereça cargo nessa cidade.
Com sarcasmo nos lábios, Osíris parte. Olhares desconfiados o seguem.
De volta aos subúrbios. O contraste entre a cidade alta e aquele lugar é gritante. Onde o centro brilha em dourado, ali se respira o esverdeado da decadência. Lixo. Fumaça. Ausência de cor.
Ele entra pela garagem. Tranca. Desarma-se. Tira a armadura com o cuidado de quem carrega duas vidas. No espelho, encara o rosto por trás da máscara: maquiagem pálida, batom negro. Tudo some debaixo do chuveiro. Ali, quem se banha é Osíris — não o Coruja.
— Não posso deixar o Lucas perder a infância por algo que não é culpa dele… — diz para si, colocando roupas comuns.
Na sala, a velha TV chia ao ser ligada. Um clarão. Depois, o rosto de Sean Meyer.
— Infelizmente, é verdade. Meu irmão, Chris Meyer, foi morto brutalmente. Mas esse ato não ficará impune! Mandaremos tropas para os subúrbios até que o culpado seja capturado!
Sean, promotor exemplar. Conhecido como o Cavaleiro Branco de Epcia. Mas… o sorriso em seu rosto trai a dor que deveria sentir.
Osíris inclina a cabeça. Algo está fora do lugar.
A TV continua ligada. A chuva, ainda caindo. Mas ele adormece no sofá. Exausto.
Pouco depois, passos suaves.
Lucas, seu filho, entra com uma coberta. Cobre o pai com cuidado. Beija sua testa.
— Boa noite, papai… — sussurra. E volta para o quarto, silencioso como um segredo guardado no escuro.